terça-feira, 17 de maio de 2011

Dádiva

“Vós pouco dais quando dais de vossas posses.
            É quando dais de vós próprios que realmente dais.
            Pois, o que são vossas posses senão coisas que guardais por medo de precisardes delas amanhã?
            E amanhã, que trará o amanhã ao cão ultraprudente que enterra ossos na areia movediça enquanto segue os peregrinos para a cidade santa?
            E o que é o medo da necessidade senão a própria necessidade?
            Não é vosso medo da sede, quando vosso poço está cheio, a sede insaciável?
            Há os que dão pouco do muito que possuem, e fazem-no para serem elogiados, e seu desejo secreto desvaloriza suas dádivas.
            E há os que têm pouco e dão-no integralmente.
            Esses confiam na vida e na generosidade da vida, e seus cofres nunca se esvaziam.
            E há os que dão com alegria, e essa alegria é já a sua recompensa.
            E há os que dão com pena, e essa pena é o seu batismo.
            E há os que dão sem sentir pena nem buscar alegria nem pensar na virtude:
            Dão como, no vale, o mirto espalha sua fragrância no espaço.
            Pelas mãos de tais pessoas, Deus fala; e através de seus olhos Ele sorri para o mundo.
            É belo dar quando solicitado; é mais belo, porém, dar sem ser solicitado, por haver apenas compreendido;
            E para os generosos, procurar quem recebe é uma alegria maior ainda que a de dar.
            E existe alguma coisa que possais guardar?
            Tudo o que possuís será um dia dado.
            Dai agora, portanto, para que a época da dádiva seja vossa e não de vossos herdeiros.
            Dizeis muitas vezes: “Eu daria, mas somente a quem merece”.
            As árvores de vossos pomares não falam assim, nem os rebanhos de vossos pastos.
            Dão para continuar a viver, pois reter é perecer.
            Certamente, quem é digno de receber seus dias e suas noites é digno de receber de vós tudo o mais.
            E quem mereceu beber do oceano da vida, merece encher sua taça em vosso pequeno córrego.
            E que mérito maior haverá do que aquele que reside na coragem e na confiança, mais ainda, na caridade de receber?
            E quem sois vós para que os homens devam expor o seu íntimo e desnudar seu orgulho a fim de que possais ver seu mérito despido e seu amor-próprio rebaixado?
            Procurai ver, primeiro, se mereceis ser doadores e instrumentos do dom.
            Pois, na verdade, é a vida que dá à vida, enquanto vós, que vos julgais doadores, são meras testemunhas.
            E vós que recebeis – e vós todos recebeis – não assumais encargo de gratidão a fim de não pordes um jugo sobre vós e vossos benfeitores.
            Antes, erguei-vos, junto com eles, sobre asas feitas de suas dádivas;
            Pois se ficardes demasiadamente preocupados com vossas dívidas, estareis duvidando da generosidade daquele que tem a terra liberal por mãe e Deus por pai.”


Um comentário:

  1. Verdades ditas, com um toque de poesia!!
    Amei!!É dando que se recebe e se não receber,...não importa!! A capacidade de doar,com humildade...já é uma dádiva!!Bejimmm lindaaa!!

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